segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre a minha pesquisa

Um dos motivos que me fizeram crer que seria uma boa vir estudar aqui na República Tcheca, era a possibilidade de entrar em contato com um diferente meio acadêmico. Como às vezes é importante dizer o óbvio, lá vou eu: não pensava (e não penso ainda) que a Europa esteja a frente, mais evoluída, que o mundo acadêmico que tive contato no Brasil de modo algum, mas a historiografia brasileira é muito pautada pelos pensadores franceses e eu queria ver algo diferente. 
A primeira diferença eu vi já nos primeiros dias de contato com meu orientador e os professores do programa de Sociologia Histórica. Eu houvia eles falando de 'generalizações' e ficava intrigado pelo fato deles darem um tom positivo a esse conceito. Desde 2005, quando entrei na Univille para iniciar meus estudos em História, eu sempre tinha ouvido e assimilado conotações negativas em relação a ideia de 'geral'. Mas é isso mesmo: eles gostam do geral, e isso se deve ao lado 'sociologia' da tal Sociologia Histórica. É algo que já estou me acostumando.
Agora, o maior desafio, acredito eu, será com relação a organização da metodologia. Para fazer uma discussão mais aprofundada entre a diferença de disciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, eu precisaria de um capítulo de dissertação, pelo menos. Para uma resumo incrível (e que numa leitura mais acurada seria digno de muita crítica) eu digo que vindo do curso de História da Univillle - que tem uma queda interdisciplinar - e fazendo meu mestrado no Programa de Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille - assumidamente interdisciplinar - aprendi que o processo principal de pensar a metodologia acontece junto da pesquisa, muito diferente do que eu estou vendo agora. Embora as modificações sejam entendidas e recebidas durante o processo de pesquisa, aqui a ideia de qual metodologia será usada tem que estar muito clara antes de iniciar o processo de pesquisa. E me arrisco a dizer, me parece, não aceita tantas modificações assim - mas pra isso eu preciso estudar mais.
Quanto a literatura diferenciada, até agora me parece que eu estava certo, pois estou encontrando alguns nomes novos no caminho. Dentre as principais leituras até agora, posso citar um livro de Gellner (tudo bem, esse é conhecido no Brasil), de Hroch, de Vermeensch e o que está sendo trabalhado agora, dos sociólogos János Ladányi e Iván Szelényi. Enquanto os dois primeiros livros tratam do tema do nacionalismo, da nação e do sentimento de nacionalidade, os dois últimos são mais ligados diretamente ao tema semi-provisório quase final da minha tese: uma perspectiva global teórica sobre o movimento nacionalista cigano.
Ainda não tenho grandes conclusões nem pensamentos sobre o tema; toda a pesquisa ainda está no começo e, confesso, um pouco devagar: demorei um tempo para pegar o esquema de ler tudo em inglês. Porém, algo muito interessante acontece quando os autores, principalmente Vermeensch e Ladányi e Szelényi, que estão trabalhando diretamente com os ciganos, começam a discutir os preconceitos e os discursos anti-ciganos que existem. Eles são muito semelhantes as falas que se escuta no Brasil quando se quer atacar ou, pelo menos criticar, algumas minorias e sua relação com a cultura vigente e, principalmente, com o poder econômico. As análises são sempre muito rasas, dizendo que os ciganos são pessoas que não gostam de trabalhar, que não respeitam a cultura dos outros e que vivem "mamando" no governo, já que a grande parte dos ciganos desempregados na Europa recebem auxílio governamental.

Pra mim, uma visão muito supérflua de todo o contexto histórico desse povo. Ladányi e Szelényi discutem como, desde o século XIX esses povos, na melhor das hipóteses, estavam semi-segredados da sociedade, vivendo como uma lower class, usando palavras deles, e que depois do comunismo, em alguns locais, eles passaram a ser uma underclass: não só pobres e sem muitas expectativas de futuro, mas também apartados da sociedade, com muito pouco contato com os não-ciganos. Na passagem que mais me indignou de Vermeensch, ele lembra que até a metade do século XVIII, na região que hoje é a Romênia, esses povos eram tratados como escravos, de uma maneira que me pareceu muito próxima do escravagismo negro que aconteceu no Brasil. Ainda discute algo muito interessante sobre a crença de que eles são povos nômades: são nômades ou são sempre expulsos de onde tentam se estabelecer?
Enfim, é um tema empolgante e, ao mesmo tempo, triste. Por estar nessa pesquisa acabo descobrindo que ainda hoje há marchas anti-ciganas por cidades europeias, partidos que assumidamente são contrários ao convívio com esses povos e, até mesmo, algumas ideias sobre colocar os ciganos em campos de concentração para que, enfim, trabalhem (já se ouviu algo semelhante antes, né?).

Mas não se engane: esse crescimento (ou afloramento) do racismo não é problema só Europeu: a América, o Brasil está cheio disso e a última eleição deixou tudo muito claro.

Para quem tiver interesse nos livros:

VERMEERSCH, Peter. The Romani movement: minority politics and ethnic mobilization in contemporary Central Europe. New York: Berghahn Books, 2006, xiv, 261 s. ISBN 9781845451028.

GELLNER, Ernest. Nations and nationalism. 1st publ. New York (NY): Cornell University Press, 1983, viii, 150 s. ISBN 0-8014-9263-7.

HROCH, Miroslav. Social preconditions of national revival in Europe: a comparative analysis of the social composition of patriotic groups among the smaller European nations. New York: Columbia University Press, c2000, xix, 220 s. ISBN 978-0-231-11771-5.

LADÁNYI, János a Iván SZELÉNYI. Patterns of exclusion: constructing Gypsy ethnicity and the making of an underclass in transitional societies of Europe. Boulder: East European Monographs, 2006, vi, 227 s. ISBN 0-88033-574-2.

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